O melhor de dois mundos
“Que bobagem Rita, deixa disso…”
Nos últimos dias era assim que Rita começava seu dia. Não acreditava que Horácio pudesse desconfiar de algo. Ainda mais ela, do alto de seus trinta anos, formada e bem empregada. Ainda mais ela, que teve todos que quis, ficou noiva, assim de aliança com gravação e tudo.
Ele e o bobalhão do Camilo. Ela ria e se deliciava por dentro. Ah, o bobalhão do Camilo!
“Que bobagem Rita, nem pensa nisso... “
Agora fazia uns oito anos quase. Ela quase nem se lembrava direito. Quer dizer... Lembrava tudo com detalhes, de cada dia, cada torpedo na madrugada, cada passeio, cada noite em claro e as conversas que nunca terminavam, até que um dos dois adormecia. Mas não sabe bem como ela add o Horácio e nesse meio tempo acabou add o amigo dele, o bobão do Camilo. Ah, lembrou! Foi porque ela entrou em uma comunidade do Orkut da faculdade. Então ela aceitou quando ele pediu pra ser amigo. Agora chega de dizer add que tu tens mais de trinta, é noiva, formada e bem empregada.
Mas por dentro ri tal qual adolescente.
“Imagina Rita... isso é coisa da tua cabeça!”
E um dia, ela nem lembra como, Camilo e ela começaram de frescura. Ah, a gente é amigo, o que é que tem ir tomar um café na Casa de Cultura? O que é que tem é que o Camilo é muito mais pitéu que o Horácio! E faz Rita dar gargalhadas extravagantes, gargalhadas de boteco mesmo quando toma água! E tasca um beijo ali mesmo na Rua da Praia, mas cuida pra cobrir a aliança dela. E quem vai ver isso no centro, no meio da correria? Ela sai atabalhoada, pega a lotação ali na Bento Martins e some! Aí finge pra si mesma que está super interessada nas construções da Duque de Caxias! Olha! Era por aqui que morava a tal da Bronze... Ai ai, meu noivo me espera, ai ai, beijo do Camilo, que linda essa casa, onde enfiei os quatro reais?
“Que sacanagem Rita...”
E agora ela nem tem mais Orkut, só Facebook. Se o passado a condena...
E muitas outras vezes, Camilo e ela se viram furtivamente. Era gostosinho porque não tinha lá muito jeito de sacanagem. Está certo que os dois, ele e o noivo Horácio, eram muito amigos. Mas ela nem tinha transado com o Camilo! Que é que tem? Quer dizer, não tinha transado mais de três vezes por semana! E ria por dentro enquanto ia fazer a última prova do vestido de noiva. Branco, é óbvio! Ou a bisavó caía dura na entrada da igreja! Ela nem queria casar igreja, mas o Horácio e os pais dele insistiram. Isso que ela se safou de casar em São Borja com o vestido da futura sogra.
“Aí a tua casa começou a cair não é Ritinha?”
Porque ela levou o Camilo pra ver o vestido. E ele não se conteve “Gata, tu vai arrasar!”
Ela e a moça do primeiro aluguel se olharam, mas como ele beijava bem ela deixou passar. E recebeu o torpedo. “Ritoca, essa coca cola é fanta!” Olhou em volta porque se sentiu observada. “Que besteira Rita!” Mas mesmo assim ela criou e-mail falso e perfil no Orkut falso também. E viu que as comunidades do Camilo eram suspeitas e que ele tinha um super amigo, assim, um grude chamado Oicaroh e se mandavam várias mensagens fofas e cheias de malícia. Meu Deus! Quem é mais burro? O Horácio que escreve o nome ao contrário e avisa que é de São Borja e coloca foto? Ou ela que não percebeu que Camilo só queria o melhor de dois mundos? Valha-me Deus! Eu no meio dessa confusão! Ainda bem que o vestido é alugado!
“Espera aí Rita! Procurando cabelo em ovo? Imagina! O Horácio? Todo cheio de pudores...”
Não precisou muito. Horácio ligou, chamou-a em sua casa. Queria vê-la mas queria que os pais dele estivessem juntos. “Que lindo, finalmente ele vai me dar a jóia do casamento! Aquele anel escandaloso de diamante da mãe dele ou o brinco que eu fingi que nem dei bola na joalheria? Ai, ônibus! Anda logo! Saco não ter carro viu!”
Não deu tempo. Quando chegou à rua do apartamento onde o noivo morava, escutou os berros da sogra. “Meu pai celeste, tragédia” Subiu correndo, porteiro nem teve tempo, bem que aquela cigana da Praça Montevidéo tinha lhe avisado, que o mau tempo viria. Ou tinha sido na hora da previsão do tempo. Rita não pensava mais. Elevador cafajeste, além de tudo estava com vontade de fazer xixi!
Bate, entra. Dona Zilá e Seu Tonico, tão fofos, radicais, cabeças-duras, generosos. Choram inconformados. Rita pergunta a Zeca, o diarista do Horácio, o que tinha acontecido.
“Ai guria, que bafão! Horacinho saiu do armário, assumiu o Camilinho, trocou a passagem de lua de mel e os dois se foram num cruzeiro gay pra Mikonos. Que inveja branca amiga, não de ti é claro!”
Eles pediram desculpas por e-mail, aquelas duas bichas medrosas. Que o amor tinha sido mais forte, mas que ela continuaria linda, absoluta, poderosa, um arraso!
Muito tempo depois Rita se consolava pensando que tinha aproveitado o melhor de dois mundos e herdado um diarista que fazia uma chapinha maravilhosa, sabia o que era uma 3/4 e uma 7/8 e ainda detectava quando o bofe ia ser roubada de novo.
* Este texto foi
livremente baseado no texto A Cartomante de Machado de Assis, como parte do trabalho da disciplina de Língua Portuguesa da Profa. Laura V. Corso, do IFRS.
Nos últimos dias era assim que Rita começava seu dia. Não acreditava que Horácio pudesse desconfiar de algo. Ainda mais ela, do alto de seus trinta anos, formada e bem empregada. Ainda mais ela, que teve todos que quis, ficou noiva, assim de aliança com gravação e tudo.
Ele e o bobalhão do Camilo. Ela ria e se deliciava por dentro. Ah, o bobalhão do Camilo!
“Que bobagem Rita, nem pensa nisso... “
Agora fazia uns oito anos quase. Ela quase nem se lembrava direito. Quer dizer... Lembrava tudo com detalhes, de cada dia, cada torpedo na madrugada, cada passeio, cada noite em claro e as conversas que nunca terminavam, até que um dos dois adormecia. Mas não sabe bem como ela add o Horácio e nesse meio tempo acabou add o amigo dele, o bobão do Camilo. Ah, lembrou! Foi porque ela entrou em uma comunidade do Orkut da faculdade. Então ela aceitou quando ele pediu pra ser amigo. Agora chega de dizer add que tu tens mais de trinta, é noiva, formada e bem empregada.
Mas por dentro ri tal qual adolescente.
“Imagina Rita... isso é coisa da tua cabeça!”
E um dia, ela nem lembra como, Camilo e ela começaram de frescura. Ah, a gente é amigo, o que é que tem ir tomar um café na Casa de Cultura? O que é que tem é que o Camilo é muito mais pitéu que o Horácio! E faz Rita dar gargalhadas extravagantes, gargalhadas de boteco mesmo quando toma água! E tasca um beijo ali mesmo na Rua da Praia, mas cuida pra cobrir a aliança dela. E quem vai ver isso no centro, no meio da correria? Ela sai atabalhoada, pega a lotação ali na Bento Martins e some! Aí finge pra si mesma que está super interessada nas construções da Duque de Caxias! Olha! Era por aqui que morava a tal da Bronze... Ai ai, meu noivo me espera, ai ai, beijo do Camilo, que linda essa casa, onde enfiei os quatro reais?
“Que sacanagem Rita...”
E agora ela nem tem mais Orkut, só Facebook. Se o passado a condena...
E muitas outras vezes, Camilo e ela se viram furtivamente. Era gostosinho porque não tinha lá muito jeito de sacanagem. Está certo que os dois, ele e o noivo Horácio, eram muito amigos. Mas ela nem tinha transado com o Camilo! Que é que tem? Quer dizer, não tinha transado mais de três vezes por semana! E ria por dentro enquanto ia fazer a última prova do vestido de noiva. Branco, é óbvio! Ou a bisavó caía dura na entrada da igreja! Ela nem queria casar igreja, mas o Horácio e os pais dele insistiram. Isso que ela se safou de casar em São Borja com o vestido da futura sogra.
“Aí a tua casa começou a cair não é Ritinha?”
Porque ela levou o Camilo pra ver o vestido. E ele não se conteve “Gata, tu vai arrasar!”
Ela e a moça do primeiro aluguel se olharam, mas como ele beijava bem ela deixou passar. E recebeu o torpedo. “Ritoca, essa coca cola é fanta!” Olhou em volta porque se sentiu observada. “Que besteira Rita!” Mas mesmo assim ela criou e-mail falso e perfil no Orkut falso também. E viu que as comunidades do Camilo eram suspeitas e que ele tinha um super amigo, assim, um grude chamado Oicaroh e se mandavam várias mensagens fofas e cheias de malícia. Meu Deus! Quem é mais burro? O Horácio que escreve o nome ao contrário e avisa que é de São Borja e coloca foto? Ou ela que não percebeu que Camilo só queria o melhor de dois mundos? Valha-me Deus! Eu no meio dessa confusão! Ainda bem que o vestido é alugado!
“Espera aí Rita! Procurando cabelo em ovo? Imagina! O Horácio? Todo cheio de pudores...”
Não precisou muito. Horácio ligou, chamou-a em sua casa. Queria vê-la mas queria que os pais dele estivessem juntos. “Que lindo, finalmente ele vai me dar a jóia do casamento! Aquele anel escandaloso de diamante da mãe dele ou o brinco que eu fingi que nem dei bola na joalheria? Ai, ônibus! Anda logo! Saco não ter carro viu!”
Não deu tempo. Quando chegou à rua do apartamento onde o noivo morava, escutou os berros da sogra. “Meu pai celeste, tragédia” Subiu correndo, porteiro nem teve tempo, bem que aquela cigana da Praça Montevidéo tinha lhe avisado, que o mau tempo viria. Ou tinha sido na hora da previsão do tempo. Rita não pensava mais. Elevador cafajeste, além de tudo estava com vontade de fazer xixi!
Bate, entra. Dona Zilá e Seu Tonico, tão fofos, radicais, cabeças-duras, generosos. Choram inconformados. Rita pergunta a Zeca, o diarista do Horácio, o que tinha acontecido.
“Ai guria, que bafão! Horacinho saiu do armário, assumiu o Camilinho, trocou a passagem de lua de mel e os dois se foram num cruzeiro gay pra Mikonos. Que inveja branca amiga, não de ti é claro!”
Eles pediram desculpas por e-mail, aquelas duas bichas medrosas. Que o amor tinha sido mais forte, mas que ela continuaria linda, absoluta, poderosa, um arraso!
Muito tempo depois Rita se consolava pensando que tinha aproveitado o melhor de dois mundos e herdado um diarista que fazia uma chapinha maravilhosa, sabia o que era uma 3/4 e uma 7/8 e ainda detectava quando o bofe ia ser roubada de novo.
* Este texto foi
livremente baseado no texto A Cartomante de Machado de Assis, como parte do trabalho da disciplina de Língua Portuguesa da Profa. Laura V. Corso, do IFRS.
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